terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Travestis e transexuais já podem usar seus nomes sociais em boletins de ocorrência no Rio

A partir de março, travestis e transexuais poderão usar seus nomes sociais quando forem registrar crimes e ocorrências que envolvam o segmento gay em todas as 164 delegacias da Polícia Civil no Estado do Rio. O nome social é a forma que travestis optam por identificar-se ao invés de usar o nome de registro.

O Rio de Janeiro é o primeiro Estado a adotar esse procedimento nas delegacias que, segundo lideranças e defensores dos direitos homoafetivos, é uma iniciativa pioneira que ajudará a reduzir o número de subnotificações de crimes homofóbicos que tenham como vítimas travestis e transexuais.

Segundo o coordenador do Programa Rio sem Homofobia, Cláudio Nascimento, esta é a população que mais sofre com a transfobia e a discriminação.

“Não temos como identificar quais são as ocorrências envolvendo essa população. O registro policial não tem a inclusão de nome social e isso gera uma situação de constrangimento nas delegacias e também subnotificação de casos de violência contra travestis e transexuais”, afirmou Nascimento que atua na Superintendência de Direitos Individuais Coletivos e Difusos da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do estado do Rio.


Rio é pioneiro

Nesta segunda-feira (30), a chefe da Polícia Civil, delegada Martha Rocha, recebeu Nascimento e uma delegação de 10 travestis e transexuais para anunciar a nova medida que torna o Rio o Estado pioneiro a incluir os nomes sociais nos boletins de ocorrência.

“A gente espera que sirva como inspiração para que outros Estados possam pensar na possibilidade de incluir. Não mexe em orçamento, e gera um tratamento humanitário, inclui a gestão pública no marco civilizatório de dignidade. A maneira de medir o grau civilizador de um país é sabendo como ele trata as suas minorias sexuais”, argumentou Nascimento.

Nas próximas duas semanas as delegacias receberão treinamentos e capacitações de como fazer o atendimento e realizar o registro. O Programa Rio Sem Homofobia já capacitou mais de 5.000 policiais militares e outros 1.200 civis para dar tratamento qualificado a esta população.

“Quando tem uma situação de preconceito a gente denuncia para a corregedoria da polícia. Isso é mais adequado e gera uma mudança na estrutura da segurança. A identidade de gênero vai possibilitar a gente ter mais dados efetivos sobre a situação de violência contra essa população e fazer com que tenhamos a capacidade de promover ações concretas de atenção a elas”.

Em 8 de julho de 2011, o governador Sérgio Cabral assinou o decreto de n.º 43.065 que dispõe sobre o direito ao uso do nome social por travestis e transexuais na administração direta e indireta do Estado do Rio.

“Essa população já é vitimizada, não queremos que ela seja vitimizada pela segunda vez numa delegacia de polícia. A Polícia Civil já está inserindo no registro de ocorrência o nome social. As pessoas que procurarem uma delegacia, seja na condição de vítima, testemunha ou de autor, podem utilizar o seu nome social”, anunciou a chefe de polícia.

Martha Rocha afirmou ainda que, antes mesmo do Carnaval, irá promover um encontro com todos os delegados de áreas onde haverá eventos carnavalescos de público gay.

Travestis são os mais perseguidos
No Estado do Rio, existem três centros de referência de cidadania e combate à homofobia LGBT, na Central do Brasil, no centro do Rio; no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense; e em Nova Friburgo, na região serrana.

Em 2011, os centros realizaram no total 5.000 atendimentos, dos quais 2.000 envolviam homofobia. E destes, 20% afetavam diretamente travestis e transexuais, contabilizando 400 registros. “Se pensarmos que essa população é o menor segmento da comunidade LGBT, em números proporcionais, esse segmento segue sendo o mais perseguido”, criticou.

A cantora transformista Jane Di Castro considera esta medida como uma vitória para a comunidade gay. “É uma vitória, sou militante desde os anos 60 e nunca pensei chegar neste século com essa mudança. Hoje estamos sendo respeitadas. Naquela época não tínhamos direito nenhum, só o de apanhar. O direito de reclamar era cortado porque éramos homossexuais, gays, travestis. Era mais fácil ir à delegacia para reclamar e acabar sendo presa”, disse ao UOL Jane Di Castro ao lembrar que já viveu muitas situações de desprezo por agentes de segurança e que tinha medo de reclamar e, por isso, preferia omitir.

Já a coordenadora do Centro de Referência de Combate à Homofobia do Estado do Rio, a travesti Marjorie Marshi, 37, e assumida desde os seus 13 anos de idade, receia se a política de fato será respeitada. “Como toda política recém implementada, a gente no fundo tem um receio se vai ser desenvolvida de acordo com o que foi criado. Isso é um primeiro passo de formação e construção coletiva. Nenhum decreto modifica uma realidade por si só”, salientou.

Segundo disse ao UOL Marjorie, esta iniciativa de incluir os nomes sociais é reflexo de pelo menos sete anos de luta, quando foi fundada a associação de travestis e transexuais do Rio. “Essa iniciativa é um reflexo do movimento de travestis que pleiteou e desenvolveu a proposta e agora está sendo brindada com o momento de transformar um pleito em política de fato”.

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